Constitucionalismo

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Sobre ativismos e democracia

7 de fevereiro de 2019 by Observatório

Luciana Silva Garcia

Em meados da campanha eleitoral de 2018, ganhou repercussão uma frase do então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro: “não pode ter esse ativismo xiita ambiental no Brasil” ao ser entrevistado por uma emissora de televisão. Indagado posteriormente sobre o significado de sua declaração, o candidato pontou “o que quer dizer acabar com o ativismo? [questionamento da jornalista] É o pessoal xiita. É botar um ponto final nesse ativismo xiita. Grande parte deles vive de dinheiro de ONGs. Eu acho que você tem que defender a tua posição, mas não partir para o radicalismo, como eles fazem. Isso tem que acabar. “ E na sequência sobre como “acabar” com o ativismo, responde “tem ativismo em qualquer lugar. O ativismo não é benéfico. E nisso nós devemos pôr um ponto final.”

Na sequência de sua eleição, o primeiro ato do presidente eleito foi a edição, em 1º de janeiro de 2019, da Medida Provisória n. 870 que estabelece a organização básica dos órgãos do governo federal. Uma medida que dá substância legal à bravata da campanha: em seu artigo 5º, inciso II estabelece que é competência da Secretaria de Governo da Presidência (ocupada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz) “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional.”

A liberdade de associação prevista na Constituição Federal de 1988 garante autonomia na criação das associações e proibição de qualquer interferência estatal em seu funcionamento. Ou seja, a participação social, por meio de associações, movimentos, organizações, agrupamentos é uma garantia constitucional que considera a importância da inclusão de todas as lutas no espaço do Direito estatal; o fortalecimento do regime democrático e da democracia participativa; a orientação de políticas públicas que se desenvolvem em um ambiente de pluralismo e diversidade; e o controle da gestão pública. Especificamente sobre esta previsão, o Ministério Público Federal publicou nota técnica apontando a inconstitucionalidade da medida.

Tomemos como exemplo o movimento feminista: a universalização do sufrágio, a pressão por uma produção legislativa que garantisse uma igualdade formal (até pouco tempo inexistente) entre homens e mulheres, a proteção do direito à vida e integridade física de mulheres vítimas de violência doméstica são fruto de intensa organização política e social do ativismo de mulheres.

Levitsky e Ziblatt ao estudarem os fracassos da democracia no mundo ocidental, estabelecem quatro indicadores de comportamento autoritário em políticos: i) rejeição às regras democráticas do jogo (ou um compromisso frágil com elas); ii) negação da legitimidade dos oponentes políticos; iii) tolerância ou encorajamento à violência e iv) propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da mídia.

A desqualificação agressiva do ativismo e a adoção de meios inconstitucionais para controlar a atuação da sociedade civil enquadram a posição do presidente num comportamento autoritário, seguindo os indicadores apontados pelos autores. Do contrário, qual a preocupação do governo federal em “supervisionar” a atuação da sociedade civil? Se não para retalia-la quando considerar certo ativismo como “não benéfico” ou “xiita”?

Organizações e movimentos são sujeitos estratégicos na formulação de políticas públicas, elaboração de leis, fiscalização do poder público do ponto de vista orçamentário, na pressão pela execução de políticas e programas de governo. “Uma sociedade civil vibrante, atuante e livre para denunciar abusos, celebrar conquistas e avançar em direitos é um dos pilares de sociedades democráticas em todo mundo”.

Luciana Silva Garcia é doutora em Direito pela Universidade de Brasília, professora do Instituto Brasiliense de Direito Público.

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José Nunes (@nunescnt) é doutorando em direito na Universidade de Brasília.

  • e-mail: nunescnt@gmail.com

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