Foro por prerrogativa de função

O Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento Habeas Corpus nº 232627 e alterou o entendimento sobre o foro por prerrogativa de função.

PROCESSO PENAL

Leonardo Santiago

3/15/20254 min read

O Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento sobre foro por prerrogativa de função num julgamento encerrado no dia 11/03/2025.

Finalizado o julgamento virtual em 11 de Março de 2025 do Habeas Corpus nº 232627 com o placar de 7 a 4 para a fixação da seguinte tese:

"a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior."

O Relator Min. Gilmar Mendes expôs em seu voto a intenção de ampliar  a abrangência do foro por prerrogativa de função em relação ao que havia sido decidido na AP 937 AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso.

O Ministro Gilmar Mendes afirmou em seu voto que "a proposta em discussão não altera a essência da atual jurisprudência da Corte. Muito pelo contrário. Ela mantém os critérios fixados na AP 937-QO, e apenas avança para firmar o foro especial mesmo após a cessação das funções".

A estrutura do seu voto ficou configurada da seguinte forma: 

I. O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESENVOLVIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA;

Neste tópico destacou a decisão na Reclamação 473, Rel. Min. Victor Nunes Leal, julgada em 31.1.1962, que trás a seguinte frase do Min. Victor Nunes Leal “a presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”.

Importante ressaltar a edição da Súmula 394 no ano de 1964 "cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

Explicou o que se entende por a regra da atualidade e a regra da contemporaneidade.

E discorreu sobre o percurso do instituto do foro por prerrogativa de função na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Destaque para o julgamento do Inq. 687-QO, em 25.8.1999, que resultou no cancelamento da Súmula 394 "na ocasião, o Tribunal reviu sua jurisprudência e decidiu que o foro especial não subsistiria após a perda do mandato, mesmo para crimes cometidos durante o exercício das funções".

Com esse entendimento o Ministro GIlmar Mendes observa que os "acusados passaram a explorar esse efeito indesejado da regra da atualidade interferindo no funcionamento do Tribunal."

No ano de 2018 o Tribunal voltou ao tema na AP 937-QO, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 11.12.2018.

"A tese de julgamento ficou assim redigida: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

Retornando, assim, à regra da contemporaneidade, mas admitindo a alteração da competência caso o agente se afastasse do cargo até o despacho determinando apresentação das alegações finais.

II. FUNDAMENTOS DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Nas palavras do Ministro "As contribuições doutrinárias apontam para o duplo escopo do foro por prerrogativa de função: de um lado, evitar pressões externas sobre o órgão julgador e, de outro, proteger a dignidade de determinados cargos e funções públicas, garantindo tranquilidade e autonomia ao seu titular."

III. PREJUÍZOS CAUSADOS PELO ENTENDIMENTO ATUAL. REMESSA DOS AUTOS PARA A PRIMEIRA INSTÂNCIA NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO OU AÇÃO PENAL

"O entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça."

IV. DISPOSITIVO

"Ante o exposto, considerando que a própria denúncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram praticadas durante o exercício do mandato e em razão das suas funções, concedo ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação penal 1033998-13.2020.4.01.3900. Por fim, lembro que a ação de habeas corpus tem se consolidado como meio idôneo para formação de precedentes do Plenário. Nesse sentido, reporto-me aos seguintes julgados: HC 166.373, Rel. Min. Edson Fachin, redator p/ acórdão o Min. Alexandre de Moraes, DJe 18.5.2023; RHC 163.334, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 13.11.2020; e HC 176.473, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 10.9.2020. Assim, considerando a amplitude do debate aqui realizado, voto para fixar a seguinte tese: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício. Proponho a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso."

Quem trabalha com o processo penal nestas grandes e complexas ações que envolvem o foro por prerrogativa de função percebe a transtorno que causa as constantes mudanças de instância.

Acompanharam o Relator Min. GILMAR MENDES, os Ministros CRISTIANO ZANIN, ALEXANDRE DE MORAES, FLÁVIO DINO, DIAS TOFFOLI, LUÍS ROBERTO BARROSO e NUNES MARQUES.

Divergiram os Ministros ANDRÉ MENDONÇA, EDSONS FACHIN, CÁRMEN LÚCIA e LUIZ FUX.

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